Entrevistamos A Agente Literária Ana Monteiro, de Portugal!


Olá amados. Eis-me aqui em mais uma ilustre terça-feira, trazendo o penúltimo episódio da nossa série de entrevistas. 
E hoje lhes trago a Ana Monteiro que além de uma profissional incrível, é uma querida, super simpática, que ganhou o coração de toda a equipe do AE e com certeza ganhará o de vocês também. 
Se acomodem e abram suas mentes, pois a Ana vem nos trazendo realidade e motivação sobre o mercado editorial.

Sobre a entrevista
Convidada pelo administrador Carlos, a agente literária Ana Monteiro, da agência de mesmo nome em Portugal, está conosco hoje para dar sua perspectiva profissional sobre o mercado literário português.
Quatro entrevistas foram publicadas em julho no blog — partes da minissérie Ficdom Na Minha Estante!, posts organizados pela administração do AE visando trazer os holofotes para projetos dentro do ficdom cujo objetivo é fazer cópias físicas (livro impressos) de fanfics. Acreditamos que esses posts tenham instigado a curiosidade de quem deseja publicar livros originais, e, por isso, trouxemos a Ana como follow-up dessa minissérie. Seja bem-vinda, Ana!

Informações gerais
Ana Monteiro é agente literária e fundadora na/da Ana Monteiro, em Portugal. Licenciada em Línguas Aplicadas, pode ser encontrada na rede social Facebook, e também possui um website nesse endereço.

Q&A com Ana Monteiro
AE: Ana, seja bem-vinda ao Anotações Esparsas! É uma honra ter uma presença ilustre como a sua por aqui. Pra iniciar, gostaríamos de saber um pouquinho sobre o seu trabalho você é fundadora de uma agência literária, certo? Poderia nos explicar como funciona uma agência?
Sim. Decidi, o ano passado, criar uma agência literária que consiste, essencialmente, numa empresa que agencia autores — ou seja, uma empresa que representa, para todos os efeitos comerciais e legais, um autor e a sua obra. A decisão de agenciamento obedece a um processo rigoroso, que começa pela apreciação crítica da(s) obra(s) do autor, passando pela análise do mercado editorial e das possibilidades comerciais que o autor e a obra possam representar.
O meu desejo de criar uma agência literária surgiu de uma paixão: os livros; e da minha crença de que as palavras são uma das mais belas formas de expressão. Quando me deparo com alguém que tem o dom de usar as palavras certas, no sítio certo, como pinceladas que, no fim, formam frases, parágrafos, textos, livros… sinto sempre que estou a olhar para uma obra de arte. Por outro lado, este desejo é também fruto do meu percurso na área editorial, da minha experiência e contacto com o mercado.
Sempre senti que havia, em Portugal, uma lacuna no acompanhamento dos escritores que pretendem entrar no mercado e não sabem como, tomando, por vezes, decisões menos acertadas e enveredando por caminhos que os deixam frustrados, pois não são bem-aconselhados. Por isso, o meu objetivo com a agência literária é realmente encontrar autores de qualidade, desde os mais reconhecidos aos que procuram uma oportunidade no mercado, acompanhando-os no processo criativo das suas obras e ajudando-os a traçar o percurso certo até encontrar uma editora. Claro que, não obstante, estou consciente das dificuldades e da realidade do nosso mercado editorial, mas enquanto agente literária, esse é um caminho que pretendo percorrer com os autores em que eu acredito.

AE: Na sua opinião, todo escritor deve ter um agente literário? Quais são as vantagens?
Sim. As vantagens de um agente literário são imensas: desde ajudar o escritor com a revisão e edição da sua obra, a aconselhá-lo sobre o mercado literário, bem como mediar os contratos com as editoras e garantir que o autor veja a sua obra promovida e os seus direitos de autor garantidos. O trabalho de um escritor é, muitas vezes, solitário e cheio de dúvidas, inseguranças. Penso que o agente literário pode ser aquela voz “amiga”, crítica e sincera que caminhará ao lado do autor em prol do seu sucesso.
Por outro lado, o trabalho de um agente literário é bastante útil, na medida em que permitirá que haja uma pré-seleção dos manuscritos que chegam às editoras. Isto não só aligeira a carga de trabalho das editoras, como ajuda a que os manuscritos sejam direcionados para as editoras certas e tenham uma maior possibilidade de sucesso.
Convém, contudo, ressaltar que um agente literário, principalmente em Portugal, não tem o percurso facilitado. O nosso mercado é pequeno, a concorrência é feroz e o número de pessoas que leem é diminuto.
Mas nada é impossível.

AE: Então é um cargo bastante importante! Bom, agora aproveitando o que disse sobre o agente encurtar o caminho entre ao autor e a editora, por favor, diga-nos quais são os gêneros de obras que mais estão na mira das editoras e porquê?
Eu considero que o romance será sempre o gênero literário de eleição, quer das editoras, quer do público leitor. Mas há uma panóplia de gêneros literários a ter em consideração — e ainda bem.
Em Portugal temos editoras para todos os gostos: editoras generalistas, que publicam em todos os gêneros literários, e editoras mais especializadas, que versam sobre determinado nicho. Portanto, acredito que haverá sempre espaço para cada livro, desde que tenha qualidade.
Num cômputo geral, e considerando a demanda comercial (algo que, naturalmente, as editoras têm muito em conta), eu diria que, atualmente, as editoras procuram mais livros de não-ficção, ou seja, livros biográficos, livros de viagens, livros de investigação etc. Isto porque a literatura de não-ficção é bastante vasta e permite uma infinidade de temas. Além disso, é um tipo de literatura que parte da realidade, de histórias e experiências verdadeiras para a sua análise, explicação, desconstrução.
São histórias baseadas em factos reais, o que atrai o leitor. Por outro lado, são livros que instruem e que as pessoas procuram por conterem dicas para as suas vidas e o seu dia a dia, como por exemplo, livros de culinária, autoajuda, saúde e bem-estar, desporto, maternidade, entre outros. Penso que as pessoas procuram mais este tipo de livro por se identificarem, pelo seu estilo de vida. Poder-se-á dizer que “estão na moda”, mas nada é estático e tudo na vida está sempre a alterar-se.
No campo da ficção, continua a haver uma procura por romances, livros históricos, livros de aventura, policiais e de ficção científica.

AE: É surpreendente a importância que não-ficção está ganhando! De fato, a utilidade de livros assim é inegável. Sabemos que é relevante que o autor, ao se aproximar de uma editora — seja para tentar fechar contrato para um livro ficcional ou não — precise de uma boa imagem, não? Pode nos dizer o quê não fazer? O que é capaz de destruir a imagem de um escritor diante dos olhos de uma editora?
Bem, esta pergunta é um pouco complicada de responder, porque depende de muitos fatores. Se estivermos a falar de um aspirante a escritor, ou seja, alguém que escreveu um livro e pretende iniciar a sua carreira literária, eu diria que um manuscrito que chega a uma editora com erros ortográficos crassos é, sem dúvida, um “não”.
Se estivermos a falar de um escritor de renome, à partida, já será alguém com um nível de qualidade literária elevada e, por isso, para que seja desconsiderado pela editora, será porque não vende muitos livros, ou porque as suas ideologias diversificam das da editora, ou porque não é o gênero que a editora procura publicar.

AE: Então a qualidade da prosa é um fator de tal peso nessa empreitada? Que interessante! Você, como revisora e editora, pode nos dar algumas dicas de como escrever uma obra ficcional excelente — e já ganhar pontos nesse âmbito com as editoras afora?
Considero que uma obra ficcional é boa se prender o leitor, se captar a sua atenção e o fizer ansiar por ler sempre mais.
Não há fórmulas mágicas para se criar um bom livro, mas nenhum livro se escreve sozinho. É preciso ter o dom e é preciso disciplina e muito trabalho. Para se ter o dom de algo é preciso gostar do que se faz e é preciso alimentar essa paixão. Como? Lendo, lendo muito. Instruindo-se. Só se pode partir para a escrita depois de se ter lido muito.
Depois, é necessário ser disciplinado: desde definir métodos de trabalho, a definir concretamente o tema, enredo, personagens, e organizar toda a narrativa. É importante que faça um pequeno esquisso da sua história e que anote datas e acontecimentos importantes para não cometer inverosimilhanças na narrativa. Se o seu livro contiver factos reais, é importante que estejam bem fundamentados, ou seja, a pesquisa é essencial. Por exemplo, se na sua narrativa, uma das personagens se dirige ao jardim e se baixa para cheirar uma flor, é importante ter a certeza de que, naquele século, ano, local, estação, existia essa flor. Ou se uma das personagens pilotar um avião, é essencial que a personagem domine o vocabulário técnico e os passos básicos para se pilotar um avião. É importante que os acontecimentos e terminologia usada sejam coerentes.
E, finalmente, é importante criar pontos de identificação. O leitor deve sempre identificar-se com a história de alguma forma.

AE: Nós, do Anotações Esparsas, despertamos o nosso amor pela escrita graças a comunidades de publicação online como o Wattpad, Social Spirit, entre outros; na sua opinião, obras bem-sucedidas na internet podem vir a se tornar sucessos no “mundo real”, e, se sim, como?
Podem sim. O sucesso de um livro depende, na verdade, de vários fatores. E, muitas vezes, não ser publicado não significa que não tenha qualidade suficiente para se tornar um sucesso. Significa apenas que ainda ninguém decidiu apostar no livro e que ele não está a ser promovido.
Há imensos autores de sucesso que foram inicialmente rejeitados pelas editoras. Por isso, há também cada vez mais pessoas a publicarem e a promoverem os seus livros online. Isso não é negativo. Antes pelo contrário. Se o livro for largamente procurado, visualizado, adquirido, comentado, nessas plataformas, poderá atrair a atenção de uma editora disposta a publicá-lo. E, nesse momento, a editora irá contactar o autor. Se não, e se o escritor já tiver sucesso no mundo virtual, na hora de apresentar o livro a uma editora, esses dados podem funcionar como um ponto a favor.

AE: Você acha que a publicação online pode prejudicar as chances de uma editora aceitar algum original porque já esteve na internet gratuitamente?
Não necessariamente. Como referi anteriormente, pode até ser uma mais-valia. Quem gostou do livro em formato digital provavelmente vai adorar ter o livro em papel, também. Além disso, uma versão impressa do livro será sempre melhorada e chegará a um público diferente. Tudo depende do marketing envolvido. O importante é que a editora veja qualidade e potencial na obra, e aposte nela.

AE: Em Portugal, como é possível criar uma comunidade de leitores?
A falta de hábitos de leitura, em Portugal, é algo transversal. Seria preciso ocorrerem grandes transformações a vários níveis, desde as escolas ao seio das famílias, e começando pelos nossos hábitos sociais e culturais… devo, contudo, referir que têm havido várias iniciativas que incentivam a leitura, principalmente nas escolas, e atividades dinamizadas pelas bibliotecas, como horas do conto, apresentações e sessões de autógrafos, e isso é bom. Mas uma verdadeira mudança terá de ser a um nível mais visceral e mais amplo. Dou um exemplo muito prático: acredito que se a nossa rede de transportes públicos fosse melhorada e amplificada, de norte a sul do país, muita gente não teria de se deslocar de carro para o trabalho, e isso, gradualmente, criaria hábitos de leitura nas pessoas, que ocupariam o seu tempo de viagem com livros, revistas, jornais etc.

AE: Voltando à questão da qualidade da prosa, depois de terminar de escrever a primeira versão da sua história quais são os passos a seguir?
Depois de terminar de escrever a obra é importante revê-la. Há sempre pequenas gralhas que nos passam despercebidas e pode haver, também, erros linguísticos, incongruências, situações de inverosimilhança na intriga, má organização de ideias, falta de densidade das personagens etc. Um revisor e editor profissional irá ler e eliminar todos essas imprecisões, em articulação com o autor, e sugerindo opções de reformulação.
Depois, aconselho a procurar um agente literário, considerando os gêneros literários que cada agente literário trabalha. Em países como Espanha, França, Inglaterra e EUA, por exemplo, a maior parte dos agentes literários indica, nos seus sites, quais os gêneros literários que está a aceitar. No meu caso, aceito para análise todos os gêneros literários. Contudo, normalmente não aceito trabalhar com livros de poesia ou livros mais técnicos. Interesso-me mais por romances, não ficção e livros infantis.
Ao contactar-se o agente literário, deve-se seguir sempre as especificações que ele refere, quando refere, no seu site. Depois, se a obra for aceita, o agente literário procurará e contactará a editora adequada para o seu livro.

AE: Por fim, que conselho você daria aos jovens escritores que querem ter as suas obras publicadas?
Como em tudo na vida: perseverança. Acreditar em si mesmos e irem em frente, mesmo que o caminho vá estar repleto de “nãos” até chegar ao “sim”. Parece clichê, mas a verdade é que nada se consegue sem perseverança e fé.
E autopromovam-se. Valorizem-se. Sejam autodidatas, procurem estar sempre ativos e informados. E incentivem a leitura!
Para que as editoras apostem em livros, para que os escritores possam ver o seu trabalho reconhecido, é preciso que as pessoas leiam mais, comprem mais livros, seja em formato digital ou físico.
Por isso, neste ímpeto, aproveito para vos parabenizar pela iniciativa do vosso blogue e espero que continuem a promover a literatura.

Sra. Monteiro, a administração do blog gostaria de agradecer imensamente (e novamente!) pela sua visita ao AE. Suas respostas foram extremamente esclarecedoras e inspiradoras, e desejamos tudo de bom para a senhora e seus projetos profissionais e pessoais. Nos despedimos com demasiada gratidão e júbilo. Não nos esqueceremos de suas palavras — faremos nosso melhor para promover a leitura!


*

Ela não é um doce? Pode deixar com a gente, Ana, se depender do AE a literatura brasileira toma cada vez mais força. Essa entrevista foi uma honra indescritível para todos nós, especialmente para o nosso parceiro Carlos — que também reside em Portugal — e se dedicou com muito carinho desde o primeiro momento, para que hoje eu pudesse estar aqui digitando essas palavras. Portanto, esse é o nosso mais sincero agradecimento e também nossos votos de que nos esbarremos mais vezes.
Mas como tudo o que é bom tem seu final, semana que vem temos o nosso último episódio, pelas mãos da nossa adm Mira. E dessa vez com um grande nome do mercado literário brasileiro. Alguém se arrisca a chutar quem é?
Por hoje é só e não se esqueçam de cadastrar o e-mail para não perderem nenhuma atualização e nos sigam no Twitter e no Instagram — somos acessíveis, eu juro rs. 
Até a próxima, anjos. Fiquem bem. Beijos de luz o/

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