Divã da Autora - EP #3


Olá queridos, como vão? 

Eu quase furei o deadline pela primeira vez aqui no AE, porém não por problemas de atraso, mas por um pouco de vergonha do que tenho a dizer. 

A pauta planejada para essa data era outra, confesso. Porém o propósito dessa coluna quinzenal é justamente dividir meus avanços e aprendizados — ou surtos, melhor dizendo — como contadora de histórias ao longo desse período. E nos últimos quinze dias, eu estive muito longe do texto que havia planejado. 

Para falar a verdade, muito mal escrevi umas mil palavras do próximo capítulo que devo postar daqui há duas semanas. 

O por que? Bem… 

Quem nunca… 

Se apaixonou por um personagem fictício — ou vários — e o deixou sugar todas as atenções de sua vida por dias a fio, que tenha a pachorra de me atirar a primeira pedra. 

E o amor da minha vida esse mês é:


Ninguém mais, ninguém menos do que Zulema Zahir, da série original Netflix, Vis a Vis

Zulema Zahir, quem é? De onde veio? Do que se alimenta? 

Hoje mesmo, terça feira às 9:30h, aqui no AE. 

Vis a Vis é uma série espanhola do já consagrado e clássico gênero criminal dramático sobre o sistema prisional. 

Calma que eu não vou fazer resenha, por mais que eu até curta escrevê-las de vez em quando, aqui no AE isso é território dos outros adms e nem caberia no propósito dessa coluna. As minhas vocês leem aqui

Zulema é uma das personagens principais. Não é o conflito dela que começa a história, sendo Macarena Ferreiro a personagem que carrega o título de protagonista oficial. Mas a maneira como a Zule — olha como eu tô íntima risos, risos — interfere e se entrelaça, não só na vida da Macarena, como na de todas as demais personagens, faz com que doa tentar chamá-la de qualquer outro termo. 

A princípio, eu não estava nem aí para a série, admito. Tanto que só fui sentar para assistir agora, quando a história é de 2015. Mas recentemente minha família resolveu combinar de todos comprarem aparelhos de televisão novos e assinarem a Netflix ao mesmo tempo. 

Resultado: De repente estava todo mundo me mandando mensagens no Whatsapp e aproveitando qualquer oportunidade em que nos esbarrássemos em saídas básicas e vitais, apesar da quarentena, para gritar “assiste Vis a Vis, a Zulema é demais!”.  

Isso me deixou muito intrigada. Por que a minha família é do tipo que não tem o costume da nossa geração streaming de consumir esse tipo de entretenimento. Para começar, eles não são de se apegar, mergulhar e ficar com uma história na cabeça por muito tempo. Sempre fui eu quem recomendou alguma coisa, não o contrário. 

Minha família no máximo se preocupa em não perder o capítulo da novela das nove, se ela estiver em alta. Ninguém além de mim gosta de ler em nossa bolha de DNA e achegados. No máximo, cresci com o costume de frequentar locadoras com eles e de sentar nos finais de semana para assistir tudo antes do prazo de entrega, mas a forma deles assistirem e a minha forma, sempre foi diferente. 

Sempre foi difícil fazê-los de fato engajar, no sentido literal da palavra, com algo. Conto nos dedos os filmes em que minha mãe não dormiu no meio do caminho e acordou sem saber como acabou “tão rápido”. Conto nos dedos de uma mão só, os personagens que a marcaram de alguma forma e não foram por conta de eu ter me tornado fã. 

E de repente, eis que vejo minha mãezinha de cinquenta anos (desculpa mãe, te expor desse jeito, é só para transmitir o impacto geracional, favor não me deserdar), toda fãgirl, só faltando tatuar um escorpião — Zulema fãs entenderão — e sair com uma camisa estampando a cara da Zulema por aí. 

Meu padrasto é do tipo que não consegue assistir um vídeo no YouTube sem ficar pulando de 10 em 1o segundos o tempo todo, até o final. E ele maratonou Vis a Vis sem nem piscar. 

“Por que?”, eu perguntei. “A Zulema!”, ele me disse. 

Foi nesse instante que eu soube que precisava assistir Vis a Vis. Eu precisava conhecer
essa personagem e descobrir que poder é esse capaz de conquistar até os espectadores mais difíceis. 

O que podemos aprender com Zulema Zahir? 

Então sentei com a pretensão de assistir “só um episodiozinho”

Estou até agora com a bunda pregada no sofá, sem conseguir parar de acompanhar o que acontece a seguir. 

Sim, eu também entrei para o fã clube. Sim, eu descobri qual é o segredo do magnetismo de Zulema Zahir. 


Eu cheguei aqui tem pouco tempo, mal tenho dois meses de casa no AE, mas creio que qualquer um que já leu um mínimo de dois posts meus, percebeu que a minha obsessão, digo, especialidade como storyteller é construção de personagem

Sou apaixonada pelo assunto, aposto todas as minhas fichas nisso. E provavelmente é a única aposta na vida que eu não perco, pois sim, é aqui que reside o segredo do sucesso da personagem. 

Eu não encho o saco de vocês com isso à toa, viu? 

A série chegou a ganhar um prêmio de melhor vilã pela personagem, mas do fundo de minha honestidade, não consigo encaixá-la aí. Em minha humilde opinião, Zulema é uma anti-heroína

Enfim a resposta: A lição disso para nós storytellers é que nem só de vilões icônicos e caricatos, nem de mocinhos heroicos babando virtudes inabaláveis, engaja o entretenimento de qualidade. Em especial atualmente.    

Anti-heróis têm chamado cada vez mais atenção nas histórias de sucesso do momento, assim como os heróis que começam no chão e evoluem para mudanças drásticas de personalidade e atitude. Até mesmo vilões, têm sido os que mais figuram entre os favoritos do público.

Cada vez menos torcemos para os mocinhos e mocinhas, eis a verdade. 

Então cabe a nós que criamos histórias entender o porquê disso e saber trabalhar com o fenômeno a nosso favor.

Assim como os criadores de Vis a Vis acertaram de mão cheia com a Zulema e agora desfrutam dos louros trazidos por uma personagem que não importa o que aconteça no enredo, segura os espectadores ali com um mero sorriso.

O que é um anti-herói?

Um personagem é alguém com um objetivo, seguindo uma jornada passiva (aquela que ninguém curte muito) ou ativa, por conta disso. De certo você que está aqui comigo lendo isso, tem uma boa definição em mente do que seria um herói correndo atrás de suas metas. 

Pois um anti-herói também se enquadra nesta definição. O que vai diferenciá-lo dos tipos de heróis tradicionais é o modo como ele age em sua jornada. 

Anti-heróis são definidos e destacados por não possuírem virtudes e moral “limpas” como a dos heróis. Apesar de a maioria não ser inerentemente má e com frequência apresentem cenas onde esboçam sentimentos passionais sobre os eventos, são muito fluídos e com facilidade se envolvem em atitudes questionáveis para alcançarem suas pretensões. 

São aqueles personagens muitas vezes tidos como insanos. É difícil compreender a natureza de seus pensamentos. São quase impossíveis de prever, carregando os red herrings e plot twists do enredo nas costas. Suas falas são sempre marcantes e ambíguas. São carismáticos e prendem sua atenção, mas logo entendemos que a regra um é: Eles não são cem por cento confiáveis. 

Ainda que talvez o objetivo deles seja nobre e você seja capaz de se identificar e torcer para que o personagem o alcance, você se retorce no sofá, toda vez que ele vai longe demais nos passos que dá em direção a isso. 

Pronto, se eu nunca tivesse dito o nome da Zulema aqui, ainda assim esses parágrafos a teriam descrito perfeitamente. Modéstia à parte.

Por que eles ganham o público?

Os filósofos Rousseau e Hobbes, cada um à sua maneira, deixaram uma boa base de explicação. 

Segundo Rousseau, o homem nasce essencialmente bom, mas a sociedade o corrompe. Já Hobbes acredita que na verdade, o homem é essencialmente mau, perverso e egoísta. Comedimos isso no dia a dia, portanto, porque nos são impostas regras mediante o temor da punição.

Partindo do princípio de qualquer um dos dois, o ponto em comum é: pertence a natureza humana, abrigar a dualidade bem e mal e todas as nuances entre esses extremos. Somos capazes de tudo e no fim são as situações em que nos colocamos e somos colocados que revelam até onde somos, de fato, capazes de ir. 

É nisso que a construção de histórias e seus personagens se baseiam. Conflitos movem as histórias e conflitos são o que fazem os seres humanos florescerem. Essa base não é ficção, essa base é filosofia, psicologia e tantas outras “ias”.

Histórias são metáforas da vida. Personagens, ainda que animados e/ou antropomórficos, são retratos do comportamento e expressão dos seres humanos. E ansiamos por nos ver espelhados, ansiamos por nos entender e reconhecer no que vemos. 

Os segredos do engajamento, portanto, são a identificação e a empatia.  

Anti-heróis, ganham o público geral, porque nascem de um lugar de profundo estudo e expressão de sucesso da natureza humana. Em especial de suas fragilidades inerentes. 

Aquelas que mesmo passando nossos dias fingindo que não estão lá, vão conosco para a cama no fim da noite e por todo o esforço para coibir da condenação social que possuímos esse lado sombrio, no fim nos sentimos recompensados quando algo nos mostra explícito essa faceta. 

É a parte de todos nós que anseia por uma liberdade como a de tais personagens, por poder exercer nossa plena força, que torce por eles, os adota e os engaja. 

O anti-herói é complexo e contraditório como nós, suas qualidades são paradoxais. É realista. É com isso que nos identificamos. 


*

Minha missão por hoje termina aqui. Espero ter conseguido demonstrar o suficiente meu crush pela Zahir e minha visão sobre os motivos técnicos de seu sucesso. O que eu queria com isso, de fato, é como sempre, estimular vocês a se dedicarem no estudo e na construção de seus personagens. 

Estudem as minúcias do ser humano, pois vivemos de recriá-los e contar suas histórias. Analisem se cabem anti-heróis nos seus enredos. Se couberem, desfrute do levante e da atenção que eles trazem quando bem executados. 

Uma das personagens principais da minha fanfic em andamento é uma anti-heroína e acabou por se tornar minha personagem favorita, até porque ela é semi-original. É por isso que ponho minha mão no fogo aqui e juro para vocês, trabalhar esse tipo de personagem é uma das possibilidades mais incríveis e deliciosas da arte de contar histórias. 

Meus leitores que por ventura estejam aqui, sim, eu estou falando da Shijima. E agora sabendo que eu inspirei parte dela na Zulema, podem esperar o mais completo caos nesse fim de fic. 

Me contem o que acharam desse post, estamos de quarentena, vamos papear. E se interessar a vocês um conteúdo mais rico e completo sobre esse assunto, por favor, me deixem ficar sabendo. 

Se cuidem, escrevam bastante, façam o hit de vocês.

Até uma outra terça o/ 

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